DÍZIMO: UMA ORDENANÇA PARA ISRAEL
Dr. Gustavo Maders de Oliveira, Th.B., M.Miss., D.Miss.
Este breve artigo trata-se da observância da prática do dízimo no Novo Testamento (Dispenseção da Graça/Igreja). Não é intenção deste autor persuadir o leitor a deixar de dizimar, antes, é uma reflexão teológica e missiológica acerca da ordenança, isto é, da legalidade da cobrança dos dízimos à igreja, da prática de um fragmento da Lei mosaica que foi por Cristo abolida na cruz, conforme bem explicado pelo apóstolo Paulo em sua carta aos Romanos, no capítulo 6.
O dízimo não é uma ordenança para a igreja. O líder religioso que assim procede está errando teologicamente, submetendo o seu rebanho a um jugo que não lhe pertence.
A prática do dízimo é vista na Bíblia antes da Lei, como nos casos de Gênesis 14:18-20 (dízimo de Abrão, dos despojos de guerra), em Gênesis 28:20-22 (o dízimo de Jacó), e o texto de Hebreus 7:1-4 – do sacerdócio de Jesus a Melquisedeque (antes da égide da Lei). A entrega do dízimo por Abraão a Melquisedeque não é uma prescrição legal, mas sim um ato espontâneo de honra. O autor de Hebreus usa esse ato para estabelecer a grandeza do sacerdócio de Cristo, não para fundamentar a prática do dízimo na nova aliança. Melquisedeque aponta para Cristo: sacerdote eterno, rei de justiça e paz. O dízimo dado por Abraão serve como argumento de autoridade espiritual, não como mandamento para a igreja. Jesus é o Sumo Sacerdote definitivo, não por genealogia, mas por mérito eterno.
O dízimo é praticado por Israel, na dispensação da Lei: Deuteronômio 14:22-26; 26:12. E já existia dinheiro na época. O texto mais usado para pôr medo na igreja é o de Malaquias 3:8-10; 4:4. Mas este texto é bem claro em dizer “mantimento”, ou seja, alimento para o sustento do Templo, onde viviam os levitas, que não receberam terras na partilha das tribos de Israel. Mas o texto deixa bem claro que refere-se a Israel. E o devorador era uma espécie de gafanhoto, não uma entidade demoníaca, como já ouvi alguns obreiros pregarem. E, ainda, Mateus 23:23 – Jesus, sob a Lei (o Novo Testamento começou na cruz), dirige-se aos doutores da Lei (judeus/escribas e fariseus), que estavam debaixo do ordenamento da Lei (o Templo funcionava e necessitava sustento para os levitas). Ou seja, Jesus não se dirigiu aos discípulos, ou apóstolos; Jesus não se dirigiu à igreja, mas aos judeus, em tom de exortação. O dízimo é uma ordenança para o antigo Israel, não para a igreja!
O dízimo nunca foi uma prática destinada à igreja, pois esta nasceu na dispensação da graça, tendo a Lei morrido com Jesus (Romanos 6). Para a igreja está a contribuição voluntária e generosa, sem a imposição legalista (2 Coríntios 9:7).
Eu prefiro acreditar que muitos obreiros, por “desconhecimento bíblico”, utilizam o versículo de Malaquias 3:10 no momento da dedicação dos dízimos e ofertas. Que não seja por malícia, mas por pura ignorância.
O quê dizer então acerca da contribuição? Ela deve acontecer (Gálatas 6:6), mas de maneira voluntária, com a máxima generosidade. É a lei da sementeira, quem semeia pouco, colhe pouco, quem semeia muito se farta.
É mister observar que nas Epístolas Gerais, que contém a doutrina da igreja, não existe ordem, de Paulo ou de qualquer outro autor do Novo Testamento sobre a prática obrigatória do dízimo. Torno a lembrar que o dízimo está disposto no Antigo Testamento, era para o povo de Israel, antes e durante a vigência da Lei, mas nunca debaixo da graça, esta não abarca a doutrina do dízimo, que existe no escopo do Antigo Testamento, somente. Qualquer contribuição no Novo Testamento deve ser voluntária, conforme orientado em 2 Coríntios, capítulo 9. Se não fosse assim, constaria nos autos do Novo Testamento a observância da prática do dízimo.
O dízimo era parte do sistema legal e cerimonial que findou com a vinda de Cristo (cf. Hb 8:13; Gl 3:24-25). A igreja cristã não está debaixo da Lei mosaica, mas sob a graça. Isso não significa negligência no sustento da obra de Deus, mas sim uma mudança de paradigma: do mandamento fixo e obrigatório para o princípio espiritual da generosidade, conforme a consciência moldada pelo Espírito Santo.
Entretanto, sabendo que o dízimo é uma prática veterotestamentária, é sabido da necessidade de recursos para se administrar uma igreja. Nesse caso é salutar a contribuição generosa (ofertas). Logo, não se pode dizer que o dízimo no Novo Testamento é bíblico, ou melhor, não se deve dizer que o dízimo é uma ordenança para a igreja, enquanto na verdade era para o Israel antigo (até 70 d.C. – quando da destrruição do Templo em Jerusalém). Cabe lembrar que existem igrejas evangélicas que aboliram a prática do dízimo, usando, como instrui o Novo Testamento, das contribuições voluntárias. Exemplo: muitas igrejas batistas reformadas ou calvinistas, muitas igrejas de orientação neo-reformada, missionais ou emergentes rejeitam a prática do dízimo (por ética não serão citados os nomes das igrejas).
Diante da análise bíblica e teológica apresentada, conclui-se que o dízimo era uma ordenança destinada ao povo de Israel, fundamentada no pacto mosaico e ajustada à estrutura religiosa e econômica daquela nação. No Novo Testamento, não há qualquer exigência legal do dízimo para os cristãos. O princípio da contribuição permanece, mas agora regido pelo amor, pela liberdade e pela fé. A fidelidade cristã se manifesta não por percentuais fixos, mas por um coração disposto a ofertar segundo a graça recebida.
Do ponto de vista missiológico, a compreensão correta do dízimo como uma ordenança específica para Israel liberta a igreja de uma prática legalista e abre caminho para uma espiritualidade fundamentada na graça e na generosidade. No contexto da missão, é essencial que os cristãos contribuam não por obrigação, mas com alegria, fé e compromisso com o avanço do Reino de Deus. A missão da igreja é sustentada não por mandamentos cerimoniais do passado, mas por corações transformados que ofertam com liberalidade, reconhecendo que todos os recursos pertencem ao Senhor e devem ser usados para a glória de Cristo entre as nações. Lembrando que missões se faz com os pés dos que vão, com os joelhos dos que oram, e com as mãos dos que contribuem deliberadamente.
Eis o meu ponto de vista. Não o revogarei, a não ser que eu seja convencido pelas Escrituras e pela razão simples, e não por doutrinas de igrejas que tanto se contradizem. Quem quiser continue enganando ou sendo enganado. Minha consciência permanece cativa à Palavra de Deus.
REFERÊNCIAS
Bíblia Sagrada versão King James Atualizada.
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KAISER, Walter C. Jr. O uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2021.
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STOTT, John. A Bíblia toda, o ano todo. São Paulo: Ultimato, 2005.
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WRIGHT, Christopher J. H. A missão de Deus: Desvendando a grande narrativa da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2014.
07/07/2025
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