"ESTÁ CONSUMADO!” (TETÉLESTAI): UMA ANÁLISE TEOLÓGICA E SISTEMÁTICA DO BRADO DE CRISTO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O CRENTE E PARA A IGREJA
Dr.
Gustavo Maders de Oliveira
Bacharel
em Teologia (Faculdade Teológica Charisma)
Mestre e Doutor em
Missiologia (Faculdade Teológica e Cultural da Bahia)
Resumo
O brado de Jesus em João 19:30, tetélestai (“está consumado”), representa o clímax da obra redentora de Cristo e sintetiza a consumação histórica e teológica do plano de salvação divino. Este artigo propõe uma análise teológica e sistemática do significado dessa declaração, examinando seu contexto bíblico, semântico e soteriológico, bem como suas implicações eclesiológicas e escatológicas. A partir de uma abordagem exegética e sistemática, demonstra-se que o brado não expressa mera conclusão existencial, mas a plena realização da reconciliação entre Deus e a humanidade. A pesquisa conclui que a obra consumada fundamenta tanto a segurança da salvação individual quanto a identidade e missão da Igreja.
Palavras-chave: Tetélestai; Soteriologia; Eclesiologia; Escatologia; João 19:30; Obra de Cristo.
1. Introdução
Entre as sete palavras proferidas por Jesus na cruz, o brado “está consumado!” (Jo 19:30) apresenta-se como uma das declarações mais densas do ponto de vista teológico e redentivo. Não se trata de um lamento de morte, mas de uma proclamação de vitória, por meio da qual Cristo atesta a consumação do plano divino de salvação.
Do ponto de vista histórico-redentivo, esse brado insere-se como o clímax do historia salutis, representando não apenas o término do sofrimento de Cristo, mas a culminância da economia salvífica prometida desde Gênesis 3:15 e progressivamente revelada na história de Israel. Para a Teologia Sistemática, a expressão carrega implicações centrais para a Soteriologia, a Eclesiologia e a Escatologia, tornando-se basilar para compreender a segurança do crente e a missão da Igreja no mundo.
2. O Termo Tetélestai e Seu Contexto
A expressão grega tetélestai é a forma perfeita do verbo teleó, que significa “completar”, “levar à perfeição”, “cumprir plenamente”. O tempo perfeito indica uma ação consumada com efeitos permanentes, isto é, uma obra cuja validade se perpetua.
No contexto cultural, a palavra possuía usos distintos:
a) em
contextos religiosos judaicos, remetia ao cumprimento da Lei e dos
profetas (cf. Mt 5:17);
b) em documentos comerciais
greco-romanos, era utilizada para indicar que uma dívida fora “paga
por completo” (paid
in full)⁴.
Ambos os usos encontram-se em João 19:30: Cristo cumpre a Lei (Rm 10:4) e quita, de forma definitiva, a dívida do pecado (Cl 2:14).
3. Dimensão Soteriológica: A Obra Substitutiva e Definitiva
Para o indivíduo crente, a consumação proclamada por Cristo implica, primeiramente, a plenitude da expiação. Cristo, como Cordeiro substitutivo, oferece-se uma vez por todas (Hb 10:10-14), abolindo a necessidade dos sacrifícios cerimoniais e inaugurando um novo e vivo caminho (Hb 10:19-20).
Conforme Calvino, “ao pronunciar tetélestai, Cristo não apenas declarou o fim de seu sofrimento, mas a plena satisfação da justiça divina, de modo que nada resta a ser acrescentado para a nossa salvação”⁵. Assim, três consequências soteriológicas centrais podem ser delineadas:
Justificação objetiva: O crente é declarado justo com base na obra vicária de Cristo (Rm 3:24-26).
Reconciliação definitiva com Deus: A barreira do pecado é removida (Ef 2:14-16).
Segurança eterna da salvação: Sendo obra consumada, não há mérito humano que a complemente (Jo 10:28-29).
Essa realidade fundamenta a vida devocional e a confiança existencial do cristão, libertando-o da tentativa meritória de obter salvação por obras.
4. Dimensão Eclesiológica: Fundamento e Missão da Igreja
No âmbito eclesial, a obra consumada serve como pedra angular para a própria constituição e missão da Igreja. A comunidade cristã não nasce de um pacto humano, mas do sangue derramado por Cristo (At 20:28). Quatro aspectos podem ser destacados:
Fundamento ontológico da Igreja: A cruz é o ponto de origem e sustentação da comunidade dos redimidos (Ef 1:22-23).
Unidade do Corpo de Cristo: A morte de Jesus unifica judeus e gentios, derrubando toda hostilidade (Ef 2:14-16).
Missão reconciliadora: A Igreja existe para proclamar que a obra salvífica é plena e acessível (2Co 5:18-20).
Memória sacramental: Cada celebração da Ceia do Senhor proclama e atualiza a verdade de que “está consumado” (1Co 11:26).
A vida eclesial, portanto, é marcada pela consciência de que toda a sua existência deriva de uma obra já perfeita e eficaz.
5. Dimensão Escatológica: A Consumação Final
O brado, embora declare a consumação histórica da redenção, projeta a esperança escatológica. O Reino de Deus foi inaugurado, mas aguarda sua plenitude (Ap 21:1-5). Como afirma Wright, “a cruz e a ressurreição constituem a aurora do novo mundo de Deus, mas ainda vivemos na tensão entre o já e o ainda não”⁶.
A Igreja e cada crente, amparados pela obra consumada, vivem em esperança ativa, aguardando a consumação final, quando Cristo submeterá todas as coisas e Deus será “tudo em todos” (1Co 15:28).
6. Conclusão
O brado “está consumado” não é um suspiro de derrota, mas a proclamação de vitória cósmica e eterna. Para o crente, significa segurança, reconciliação e liberdade da tentativa meritória de salvação. Para a Igreja, constitui o alicerce de sua identidade e a motivação de sua missão reconciliadora no mundo.
Ao ecoar essa declaração, a Igreja anuncia que a redenção não é promessa futura incerta, mas realidade presente, cuja plenitude se manifestará escatologicamente. A obra é, de fato, consumada; resta-nos vivê-la e proclamá-la.
Referências
BROWN, Colin. The
New International Dictionary of New Testament Theology.
Vol. 3. Grand Rapids: Zondervan, 1986.
CALVINO, João.
Comentário do
Evangelho de João.
São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2014.
GRUDEM, Wayne.
Teologia
Sistemática. São
Paulo: Vida Nova, 1999.
STOTT, John. A
Cruz de Cristo.
São Paulo: ABU Editora, 2010.
WRIGHT, N. T. Surpreendido
pela Esperança.
São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2018.
24/07/2025
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