CORPUS CHRISTI À LUZ DA TEOLOGIA PROTESTANTE:
UMA ANÁLISE TEOLÓGICO-HISTÓRICA
Dr. Gustavo Maders e Oliveira, Th.B., M.Miss., D.Miss.
Resumo:
Este artigo analisa
a celebração de Corpus Christi à luz da teologia protestante.
Considerando suas origens no catolicismo romano e seu fundamento na
doutrina da transubstanciação, o estudo propõe um contraste com a
teologia reformada, que rejeita tal entendimento e adota diferentes
perspectivas sobre a Ceia do Senhor. A análise inclui a visão de
reformadores como Lutero, Calvino e Zwinglio, além de implicações
contemporâneas para a prática eclesiástica protestante.
Palavras-chave: Corpus Christi; Ceia do Senhor; Teologia Protestante; Transubstanciação; Reforma.
1. Introdução
A solenidade de Corpus Christi é uma celebração católica instituída no século XIII para exaltar a presença real de Cristo na Eucaristia. Já a teologia protestante, fruto da Reforma do século XVI, apresenta divergências fundamentais em relação ao entendimento e à prática da Ceia do Senhor. Este estudo objetiva contrastar essas perspectivas, destacando fundamentos bíblicos e doutrinários.
2. Origem e Significado do Corpus Christi
Corpus Christi, do latim "Corpo de Cristo", foi instituído pelo papa Urbano IV em 1264, após os relatos místicos da freira Juliana de Liège e o milagre de Bolsena. A festa reafirma a doutrina da transubstanciação, segundo a qual o pão e o vinho consagrados tornam-se o corpo e o sangue de Cristo.
“Na celebração da missa, sob as espécies do pão e do vinho, está presente verdadeira, real e substancialmente o corpo e o sangue de Cristo” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1993, §1374).
A festa envolve procissões públicas com o ostensório, como forma de adoração ao sacramento.
3. A Teologia Protestante e a Ceia do Senhor
A Reforma Protestante contestou a transubstanciação com base em princípios bíblicos e teológicos. A Sola Scriptura levou os reformadores a reinterpretarem a Ceia do Senhor.
3.1. Lutero: Presença real espiritual
Martinho Lutero rejeitou a transubstanciação, mas manteve a presença real de Cristo no pão e no vinho, sob a forma da consubstanciação. Cristo está presente "em, com e sob" os elementos.
“Este é o meu corpo” deve ser aceito literalmente, mas sem transformar substâncias (LUTERO, 1528).
3.2. Zwinglio: Memorial simbólico
Ulrico Zwinglio defendeu que a Ceia é um memorial simbólico, em conformidade com as palavras de Jesus: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22.19).
“O pão é símbolo do corpo de Cristo; não há presença real, mas espiritual” (ZWINGLIO, 1525).
3.3. Calvino: Presença espiritual
João Calvino mediou entre Lutero e Zwinglio. Para ele, Cristo está espiritualmente presente na Ceia por meio da fé, e os crentes participam misticamente do corpo de Cristo.
“Cristo é verdadeiramente dado, mas não local ou fisicamente, e sim pela ação do Espírito” (CALVINO, 1541).
4. Corpus Christi à luz da Bíblia e da Reforma
A doutrina da transubstanciação tem como base principal João 6.51-56 e a tradição eclesiástica. No entanto, a teologia reformada argumenta que esses textos devem ser interpretados à luz do contexto simbólico e espiritual da fé cristã.
“O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo 6.63).
A Reforma rejeitou o culto eucarístico (como a adoração da hóstia consagrada), considerando-o idolatria, por atribuir divindade a um elemento criado.
5. Considerações Contemporâneas
Atualmente, igrejas protestantes (históricas e
evangélicas) não celebram o Corpus Christi como data litúrgica. No
entanto, a Ceia do Senhor permanece uma ordenança central, ainda que
com diferentes interpretações e frequências. O contraste continua
a refletir divergências profundas entre as compreensões
sacramentais do catolicismo e do protestantismo.
6. Considerações Finais
O Corpus Christi representa uma teologia centrada
na presença substancial de Cristo na Eucaristia, algo rejeitado pela
teologia protestante desde a Reforma. Para os reformadores, a Ceia é
um memorial ou um meio de comunhão espiritual, não um sacrifício
repetido nem uma presença física. O estudo dessas diferenças é
essencial para o diálogo interconfessional e para a compreensão
histórica da fé cristã.
Referências
CALVINO, João. Institutas da religião cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 1993.
GONZÁLEZ, Justo L. História do pensamento cristão. Vol. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2010.
LUTERO, Martinho. O cativeiro babilônico da Igreja. São Leopoldo: Sinodal, 2001.
MCGRATH, Alister E. Teologia histórica: uma introdução à história do pensamento cristão. São Paulo: Shedd, 2017.
ZWINGLIO, Ulrico. Do verdadeiro e falso religião. São Paulo: Fonte Editorial, 2014.
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