EXEGESE DE APOCALIPSE 13:17-18 – DA MARCA E DO NÚMERO DA BESTA
Dr.
Gustavo Maders de Oliveira
Bacharel em Teologia, Mestre e Doutor
em Missiologia
Resumo
O texto de Apocalipse 13:17-18 descreve a imposição de uma marca, nome ou número da besta para que se possa comprar ou vender, apontando para um sistema de controle religioso e econômico. O número 666 é descrito como "número de homem", sendo uma referência simbólica à imperfeição humana em contraste com a perfeição divina (7). A prática da gematria indica que o número possivelmente se refere ao imperador Nero César, representando o poder opressor de Roma. A "marca" simboliza submissão ideológica e espiritual a um sistema que se opõe a Deus. João exorta seus leitores à sabedoria e discernimento espiritual para reconhecer essas forças. A mensagem central é o chamado à fidelidade exclusiva a Cristo diante da pressão de um sistema totalitário e anticristão.
Texto (Ap 13:17-18 – ARA):
"para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tem a marca, o nome da besta ou o número do seu nome. Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento, calcule o número da besta, porque é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis."
1. CONTEXTO IMEDIATO
O capítulo 13 de Apocalipse descreve duas bestas: a primeira que emerge do mar (vv. 1-10) e a segunda da terra (vv. 11-18). A segunda besta, também chamada de falso profeta (Ap 16:13; 19:20), exerce autoridade semelhante à da primeira e promove adoração a ela. O versículo 17 está no contexto da coerção econômica imposta pela segunda besta, que exige lealdade à primeira por meio de um sinal identificador.
2. ANÁLISE LINGUÍSTICA
v.17:
"ἵνα μὴ τις δύνηται ἀγοράσαι ἢ πωλῆσαι εἰ μὴ ὁ ἔχων τὸ χάραγμα, τὸ ὄνομα τοῦ θηρίου ἢ τὸν ἀριθμὸν τοῦ ὀνόματος αὐτοῦ."
"χάραγμα" (marca): O termo grego refere-se a uma gravura ou impressão, e era usado em contextos de selos oficiais ou escravos marcados. Implica um sinal visível de submissão ou pertencimento.
"ὄνομα" (nome) e "ἀριθμὸν τοῦ ὀνόματος" (número do nome): A construção sugere uma identificação simbólica ligada à identidade da besta, que pode ser decifrada.
v.18:
"Ὧδε ἡ σοφία ἐστίν. ὁ ἔχων νοῦν ψηφισάτω τὸν ἀριθμὸν τοῦ θηρίου, ἀριθμὸς γὰρ ἀνθρώπου ἐστίν· καὶ ὁ ἀριθμὸς αὐτοῦ ἑξακόσιοι ἑξήκοντα ἕξ."
"ψηφισάτω" (calcule): Literalmente “conte” ou “some”. Refere-se a um cálculo com base em valor numérico atribuído às letras (prática conhecida como gematria).
"ἀριθμὸς γὰρ ἀνθρώπου ἐστίν" (pois é número de homem): Pode significar que o número representa um ser humano ou que é um número tipicamente humano, imperfeito em contraste com o número sete, que representa plenitude divina.
3. ANÁLISE HISTÓRICO-CULTURAL
A referência ao número 666 tem gerado diversas interpretações ao longo da história. Uma interpretação dominante nos estudos patrísticos e acadêmicos associa este número ao imperador Nero César, cuja transliteração para o hebraico (נרון קסר ) resulta em um valor numérico de 666, usando a gematria hebraica (nun = 50, resh = 200, vav = 6, nun = 50, qof = 100, samech = 60, resh = 200). Essa leitura reforça a possibilidade de João estar utilizando uma cifra para criticar o Império Romano sem mencionar diretamente seus líderes.
Além disso, a menção de uma marca para realizar transações remete a práticas de culto imperial, onde os cidadãos deviam demonstrar lealdade ao imperador como forma de adoração — algo que os cristãos recusavam, muitas vezes à custa da própria vida.
4. TESE E IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS
A "marca da besta" simboliza mais do que uma marca literal: representa submissão ideológica, religiosa e econômica a um sistema opressor contrário a Deus. O uso do número 666, como “número de homem”, pode expressar a imperfeição humana levada ao extremo, um contraponto à plenitude divina representada pelo número 7. A tripla repetição de 6 enfatiza a falha humana frente à perfeição trinitária de Deus.
A exortação “Aqui está a sabedoria” (v.18) convida o leitor a discernimento espiritual, indicando que não se trata apenas de um código criptográfico, mas de uma percepção profética da realidade: o cristão deve perceber os poderes mundanos que se opõem a Cristo, muitas vezes disfarçados de sistemas aceitáveis ou até benevolentes.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apocalipse 13:17-18 apresenta um desafio à igreja: manter sua fidelidade exclusiva a Deus em meio à pressão de um sistema que exige lealdade totalitária. A simbologia da marca, do nome e do número da besta aponta para uma escolha fundamental entre o Reino de Deus e os poderes terrenos que desejam tomar o lugar de Deus.
É imperativo frisar, nada obstante, que o Apocalipse trata das coisas que eram na época da igreja primitiva nos três primeiros capítulos, e das coisas que hão de ser, do capítulo quarto ao vigésimo segundo. Estando o capítulo 13 inserido no contexto dos eventos futurísticos, sua interpretação, mesmo exegética e sistemática, tem um elemento especculativo, já que sua linguagem é altamente simbólica e enigmática, dificultando um parecer mais concreto sobre o seu significado, ficando sujeito, por vezes, às interpretações das diveras escolas escatológicas existentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEALE, G. K. The Book of Revelation: A Commentary on the Greek Text. Grand Rapids: Eerdmans, 1999.
OSBORNE, Grant R. Revelation. Baker Exegetical Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Baker Academic, 2002.
LADD, George Eldon. A Theology of the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1993.
KISTEMAKER, Simon J. Exposição de Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
SCHÜSSLER FIORENZA, Elisabeth. Apocalypse: Vision of a Just World. Minneapolis: Fortress Press, 1991.
Comentários
Postar um comentário