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Entendendo a Religião

  ENTENDENDO A RELIGIÃO Dr. Gustavo Maders de Oliveira Bacharel em Teologia (Faculdade Teológica Charisma) Mestre e Doutor em Missiologia (Faculdade Teológica e Cultural da Bahia) INTRODUÇÃO A religião é um fenômeno universal que atravessa culturas, épocas e civilizações, oferecendo respostas às grandes questões da existência humana: de onde viemos, qual o propósito da vida e o que há além da morte. Mais do que um conjunto de crenças e rituais, a religião envolve experiências, valores, normas morais e práticas que moldam o comportamento individual e coletivo. No contexto bíblico, Jesus frequentemente abordou a religião, revelando tanto seu valor quanto seus perigos — especialmente quando ela se distancia da essência espiritual e se torna mera formalidade. Entender a religião, portanto, exige mais do que estudar doutrinas; requer discernir seu papel na relação entre Deus e o ser humano, sua influência na vida prática e sua capacidade de promover tanto...

Entendendo a Religião

 

ENTENDENDO A RELIGIÃO


Dr. Gustavo Maders de Oliveira

Bacharel em Teologia (Faculdade Teológica Charisma)

Mestre e Doutor em Missiologia (Faculdade Teológica e Cultural da Bahia)


INTRODUÇÃO


A religião é um fenômeno universal que atravessa culturas, épocas e civilizações, oferecendo respostas às grandes questões da existência humana: de onde viemos, qual o propósito da vida e o que há além da morte. Mais do que um conjunto de crenças e rituais, a religião envolve experiências, valores, normas morais e práticas que moldam o comportamento individual e coletivo. No contexto bíblico, Jesus frequentemente abordou a religião, revelando tanto seu valor quanto seus perigos — especialmente quando ela se distancia da essência espiritual e se torna mera formalidade. Entender a religião, portanto, exige mais do que estudar doutrinas; requer discernir seu papel na relação entre Deus e o ser humano, sua influência na vida prática e sua capacidade de promover tanto libertação quanto opressão. Esta reflexão busca lançar luz sobre o verdadeiro significado da religião à luz das Escrituras, destacando sua finalidade, seus desvios e seu impacto na espiritualidade cristã.


Mateus 121-8


“¹ Naquele tempo passou Jesus pelas searas, em um sábado; e os seus discípulos, tendo fome, começaram a colher espigas, e a comer.

² E os fariseus, vendo isto, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer num sábado.

³ Ele, porém, lhes disse: Não tendes lido o que fez Davi, quando teve fome, ele e os que com ele estavam?

⁴ Como entrou na casa de Deus, e comeu os pães da proposição, que não lhe era lícito comer, nem aos que com ele estavam, mas só aos sacerdotes?

⁵ Ou não tendes lido na lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado, e ficam sem culpa?

⁶ Pois eu vos digo que está aqui quem é maior do que o templo.

⁷ Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício, não condenaríeis os inocentes.

⁸ Porque o Filho do homem até do sábado é Senhor.“


RITUAIS RELIGIOSOS

“Fazei isto para vos lembrardes de mim.”

1 Coríntios 11:24


O versículo de 1 Coríntios 11:24 diz: "e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim." Esse texto refere-se diretamente à instituição da Ceia do Senhor, um dos principais rituais religiosos do cristianismo. Aqui, o apóstolo Paulo transmite a tradição recebida do próprio Senhor Jesus, destacando o caráter memorial do rito. A Ceia não é apenas um costume litúrgico, mas um ato profundamente espiritual, que convida os crentes a recordar e proclamar o sacrifício de Cristo. O pão, símbolo do corpo entregue, torna-se um meio pedagógico e devocional para a igreja vivenciar a centralidade da cruz. Assim, este ritual religioso não visa agradar a Deus por obras, mas nutrir a fé e a comunhão com Cristo e entre os irmãos.

PRINCÍPIO ESPIRITUAL: os rituais nos ajudam a lembrar o amor.


AS COISAS FICAM MAIS CINZAS À MEDIDA QUE CRESCEMOS

“Com muitas parábolas como esta, Jesus anunciava-lhes a palavra segundo podiam entender”

Marcos 4:33


Marcos 4:33 declara: "E com muitas parábolas tais lhes dirigia a palavra, conforme podiam compreender." Esse versículo revela uma dimensão importante do ensino de Jesus: Ele falava de maneira que os ouvintes pudessem compreender, respeitando os limites espirituais e cognitivos de cada um. Quando refletimos sobre a frase “as coisas ficam mais cinzas à medida que crescemos”, percebemos que o amadurecimento espiritual e existencial nos leva a perceber a vida com menos simplicidade e mais nuance.

Na infância da fé — e da vida — tendemos a enxergar tudo em preto e branco: certo ou errado, bom ou mau. Com o tempo, no entanto, passamos a perceber que o mundo é mais complexo, que o bem e o mal às vezes se misturam nas motivações humanas, e que a vontade de Deus nem sempre se revela de forma imediata. O uso das parábolas por Jesus, como mencionado em Marcos 4:33, é um exemplo dessa pedagogia divina que conduz o ouvinte da simplicidade à profundidade. À medida que crescemos, somos convidados a discernir o cinza com sabedoria espiritual — não para relativizar a verdade, mas para aplicá-la com graça, amor e maturidade.

PRINCÍPIO ESPIRITUAL: os rituais favorecem o amor, eles não o substituem.


POR QUE FREUD ODIAVA O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO

“Eles estavam fatiigados e desamparados, como ovelhas sem pastor.”

Mateus 9;36


Para Freud, a religião — especialmente em sua forma fundamentalista — era uma construção psíquica que funcionava como uma “ilusão” coletiva. Ele acreditava que as crenças religiosas nasciam do desejo humano de proteção, consolo e sentido, projetando uma figura paterna divina para lidar com o medo da morte, do sofrimento e da impotência diante da vida.

Freud enxergava o fundamentalismo religioso como uma ameaça à razão e à liberdade de pensamento. Ele acreditava que a fé cega em dogmas inquestionáveis era uma forma de infantilização psíquica da sociedade, impedindo o amadurecimento individual e coletivo.

Freud não odiava o fundamentalismo religioso por paixão ou preconceito, mas o combatia intelectualmente por acreditar que ele representava uma forma de ilusão prejudicial à saúde mental, à liberdade do indivíduo e ao avanço da civilização. Para ele, o caminho do ser humano maduro deveria ser guiado pela razão, pela ciência e pela busca da verdade, mesmo que dolorosa — em vez de consolar-se com doutrinas dogmáticas e inflexíveis.

PRINCÍPIO ESPIRITUAL: a saúde começa com o reconhecimento de que não somos Deus.


POR QUE JESUS ODIAVA O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO

“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas.”

Mateus 23:27


Mateus 23:27 registra uma das declarações mais fortes de Jesus contra os líderes religiosos de seu tempo.

Este versículo ilustra claramente a rejeição de Jesus ao fundamentalismo religioso — entendido aqui como a prática rígida e exterior da religião, desprovida de amor, justiça e transformação interior. Os fariseus e escribas, representantes do legalismo religioso, eram zelosos das tradições e leis, mas muitas vezes deixavam de lado o coração da fé: a misericórdia, a humildade e a sinceridade diante de Deus.

Jesus denunciava o fundamentalismo por sua preocupação excessiva com a aparência externa, enquanto o interior permanecia corrompido. A religiosidade formalista cria uma fachada de santidade, mas não trata as verdadeiras motivações do coração.

O fundamentalismo dos fariseus impunha regras pesadas ao povo, mas eles mesmos não as cumpriam (Mt 23:4). Jesus revelou que tal religiosidade endurece o coração e substitui o relacionamento com Deus por um sistema frio e opressor.

Jesus pregava o arrependimento, a graça e o novo nascimento. Para Ele, a verdadeira fé transforma a vida de dentro para fora. O fundamentalismo, ao contrário, mantém tradições e rituais, mas muitas vezes ignora a renovação do espírito.

Jesus não "odiava" no sentido humano de ressentimento, mas condenava com veemência o tipo de religiosidade que se agarrava à letra da lei, negligenciando o amor, a justiça e a misericórdia (cf. Mt 23:23). Mateus 23:27 é um grito profético contra toda forma de fé que se distancia do coração de Deus e se torna um instrumento de controle, orgulho e exclusão. Para Jesus, a religião verdadeira é aquela que brota de um coração transformado e manifesta-se em humildade, verdade e compaixão.

PRINCÍPIO ESPIRITUAL: a verdadeira religião fortalece a compaixão e a ligação com Deus e com os outros.


O PROBLEMA COM A RELIGIÃO

“Quero misericórdia e não sacrifícios”

Mateus 12:7


Em Mateus 12:7, Jesus declara: "Se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não sacrifício, não condenaríeis os inocentes." Esse versículo revela um dos principais problemas com a religião quando ela se torna legalista e desumana: o foco exagerado nos rituais e regras externas em detrimento da compaixão e da justiça. Jesus confronta a atitude dos fariseus, que criticavam seus discípulos por colherem espigas no sábado, demonstrando que a verdadeira fé não está na observância fria da lei, mas na vivência do amor e da misericórdia. O problema com a religião, portanto, não está em sua existência, mas em sua deturpação — quando ela se transforma em um sistema de controle, julgamento e aparência, esquecendo-se da essência do caráter de Deus, que é gracioso, justo e compassivo.

PRINCÍPIO ESPIRITUAL: o problema não é a religião, e sim a rigidez religiosa.


O PROPÓSITO DA RELIGIÃO

“Vai primeiro reconsiliar-te com o teu irmão, e então volta para aprresentar a tua oferenda.”

Mateus 5:24


Em Mateus 5:24, Jesus orienta: "deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão; e depois vem e apresenta a tua oferta." Esse versículo revela o verdadeiro propósito da religião: promover reconciliação, comunhão e integridade nos relacionamentos. Para Jesus, a adoração a Deus não pode ser separada da vivência do amor ao próximo. A religião não existe apenas para conectar o ser humano a Deus por meio de rituais, mas para restaurar também os vínculos entre as pessoas, cultivando perdão, humildade e paz. Assim, o propósito da religião, à luz do ensino de Cristo, é formar uma comunidade reconciliada, onde o culto é expressão de corações limpos e relacionamentos restaurados — uma fé que une, cura e transforma.

PRINCÍPIO ESPIRITUAL: a religião tem um único propósito: ligar-nos amorosamente a Deus e aos outros.


O PROPÓSITO DAS REGRAS ESPIRITUAIS

“Não penseis que vim abolir a lei.”

Mateus 5:17


Em Mateus 5:17, Jesus afirma: "Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim para destruir, mas para cumprir." Com essa declaração, Ele revela que o propósito das regras espirituais não é o de aprisionar ou condenar, mas o de apontar para a justiça, o amor e a vontade de Deus. As leis espirituais, conforme ensinadas nas Escrituras, foram dadas para conduzir o ser humano a uma vida de comunhão com Deus e com o próximo, servindo como orientação para uma existência ética e santa. Jesus não rejeita a Lei, mas a aprofunda, mostrando que seu cumprimento verdadeiro vai além da observância externa — é uma questão de transformação interior. Assim, as regras espirituais têm como propósito formar o caráter do discípulo, orientando-o a viver em verdade, misericórdia e fidelidade, conforme o Reino de Deus.

PRINCÍPIO ESPIRITUAL: quando o amor é a lei, nós nos apoiamos nela para nos desenvolvermos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender a religião é compreender uma dimensão essencial da experiência humana, que pode tanto aproximar o ser humano de Deus quanto afastá-lo, dependendo de como é vivida e interpretada. Ao longo desta reflexão, vimos que a verdadeira religião, segundo os ensinamentos de Jesus, não se resume a rituais, dogmas ou aparências externas, mas está profundamente ligada à prática da misericórdia, da justiça e do amor ao próximo. Quando guiada pelo Espírito de Deus, a religião serve como um meio de transformação interior, conduzindo à reconciliação com o Criador e com os outros. Contudo, quando distorcida pelo legalismo, orgulho ou hipocrisia, ela se torna um instrumento de condenação e divisão. Assim, entender a religião é discernir entre a forma e a essência, entre a tradição e o propósito divino. O desafio cristão, portanto, não é abandonar a religião, mas vivê-la com autenticidade, graça e fidelidade ao coração do evangelho.



Referência Bíblica

  • BÍBLIA. Sagrada. Tradução Almeida Revista e Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.

Referências Bibliográficas

  • BAKER, Mark W. Jesus, o maior psicólogo que já existiu. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.

  • BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 2005.

  • KELLER, Timothy. Deuses falsos: quando o sucesso, o dinheiro, o amor e o poder se tornam deuses. São Paulo: Vida Nova, 2010.

  • LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

  • TILLICH, Paul. A coragem de ser. São Paulo: Fonte Editorial, 2015.






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