O DEUS QUE NÃO HABITA EM TEMPLOS FEITOS POR MÃOS HUMANAS: UMA ANÁLISE EXEGÉTICA E MISSIOLÓGICA DE ATOS 17:24
Dr. Gustavo
Maders de Oliveira
Bacharel em Teologia, Mestre e Doutor em Missiologia
Resumo
O presente artigo examina Atos 17:24 à luz de seus contextos exegético, teológico e missiológico. A fala de Paulo no Areópago representa uma síntese poderosa entre fé cristã e filosofia greco-romana. Este estudo analisa a afirmação de que Deus não habita em templos feitos por mãos humanas, contrapondo-a às concepções pagãs de divindade e destacando sua relevância para a missão cristã em contextos plurais.
Palavras-chave: Atos dos Apóstolos; Areópago; Teologia Paulina; Missão; Idolatria.
1 Introdução
Atos 17:24 constitui parte do discurso de Paulo no Areópago, em Atenas, ocasião em que ele estabelece uma ponte entre a fé cristã e o contexto religioso-filosófico dos gregos. A afirmação de que o Deus criador não habita em templos feitos por mãos humanas confronta diretamente a religiosidade pagã e propõe uma nova concepção de divindade: transcendente, soberana e universal. Este estudo pretende explorar as implicações desta declaração em sua dimensão exegética, teológica e missiológica.
2 Contexto Literário e Histórico
Lucas apresenta Paulo dialogando com filósofos epicureus e estóicos (At 17.18), em um ambiente que valorizava a racionalidade e o culto aos diversos deuses do panteão grego. A cidade de Atenas era saturada de ídolos (At 17.16), e a religião estava intimamente ligada à arquitetura dos templos. Diante disso, Paulo inicia sua defesa da fé cristã a partir de uma referência cultural: o altar ao “deus desconhecido” (At 17.23).
3 Análise Exegética de Atos 17:24
O texto grego diz:
“ὁ Θεὸς ὁ ποιήσας τὸν κόσμον καὶ πάντα τὰ ἐν αὐτῷ, οὗτος οὐρανὸν καὶ γῆς Κύριος ὑπάρχων, οὐκ ἐν χειροποιήτοις ναοῖς κατοικεῖ.”
O versículo é estruturado em três proposições:
1. Deus como Criador: "ὁ ποιήσας τὸν κόσμον" – Deus fez o mundo e tudo o que nele há, ecoando Gênesis 1 e Isaías 45.18.
2. Senhor de tudo: "οὐρανὸν καὶ γῆς Κύριος" – Um título que destaca Sua soberania universal.
3. Deus não limitado por templos: "οὐκ ἐν χειροποιήτοις ναοῖς κατοικεῖ" – crítica direta à prática religiosa que tenta confinar Deus a espaços físicos.
Esta
linguagem reflete o pensamento do Antigo Testamento, especialmente 1
Reis 8.27 e Isaías 66.1-2, além de ser coerente com o discurso de
Estêvão em Atos 7.48-50.
4 Dimensões Teológicas
A declaração paulina aponta para três verdades centrais:
- Transcendência: Deus não é domesticável. Não está sujeito às limitações espaciais humanas.
- Autossuficiência: Ele não depende de obras humanas (At 17.25), sendo completo em si mesmo.
-
Universalidade: Não é uma divindade tribal, mas Senhor de toda a
criação.
Esses atributos contrastam com a religiosidade
politeísta e regionalista dos gregos e têm implicações profundas
para a teologia cristã.
5 Relevância Missiológica
A abordagem de Paulo é exemplar do princípio da contextualização. Ele não começa com textos bíblicos, mas com um elemento cultural (o altar) e conceitos filosóficos familiares aos ouvintes. Contudo, sua mensagem é radicalmente contracultural: confronta a idolatria e aponta para um Deus único e pessoal.
A missão cristã, portanto, deve envolver:
-
Compreensão cultural: Paulo conhece seus ouvintes e respeita sua
cosmovisão.
- Fidelidade à revelação: Ele não dilui o
evangelho para torná-lo aceitável.
- Apologética
contextualizada: Usa linguagem e conceitos que conectam com seu
público, mas conduz à revelação em Cristo.
6 Aplicações Contemporâneas
A sociedade atual continua construindo “templos” modernos – não apenas edifícios religiosos, mas estruturas ideológicas que pretendem definir Deus. A mensagem de Atos 17:24 continua válida, lembrando a igreja de que Deus não pode ser reduzido a nossas categorias humanas, e que a missão exige sair dos espaços institucionais para alcançar as “praças do mundo” com clareza, verdade e graça.
Conclusão
Atos 17:24 é uma síntese poderosa de teologia bíblica e sensibilidade missionária. A declaração de Paulo desafia não apenas os antigos atenienses, mas também os cristãos modernos, a reconhecer que o Deus que criou todas as coisas é soberano, transcendente e presente em todos os lugares. Cabe à igreja proclamar esse Deus com ousadia e sabedoria em todos os contextos culturais.
Referências
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