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Espiritismo: Semelhanças e Divergências com o Cristianismo

  ESPIRITISMO: SEMELHANÇAS E DIVERGÊNCIAS COM O CRISTIANISMO Dr. Gustavo Maders de Oliveira Bacharel em Teologia; Mestre e Doutor em Missiologia Resumo O presente artigo analisa o Espiritismo sob a ótica teológica cristã, destacando suas semelhanças e divergências em relação ao Cristianismo bíblico. Fundamentado nas Escrituras Sagradas, na Teologia Sistemática e nas principais obras de Allan Kardec, o estudo propõe uma abordagem crítica e missiológica, examinando como o Espiritismo interpreta temas centrais como Deus, Cristo, o Espírito Santo, a salvação, a reencarnação e a comunicação com os mortos. O trabalho busca oferecer subsídios teológicos para o diálogo e o discernimento entre ambas as tradições religiosas, ressaltando a singularidade da revelação cristã e a exclusividade de Cristo como mediador da salvação. Palavras-chave: Cristianismo; Espiritismo; Teologia Sistemática; Allan Kardec; Missiologia. 1. Introdução O Espiritismo, codificado por Allan Karde...

Espiritismo: Semelhanças e Divergências com o Cristianismo

 

ESPIRITISMO: SEMELHANÇAS E DIVERGÊNCIAS COM O CRISTIANISMO

Dr. Gustavo Maders de Oliveira
Bacharel em Teologia; Mestre e Doutor em Missiologia

Resumo

O presente artigo analisa o Espiritismo sob a ótica teológica cristã, destacando suas semelhanças e divergências em relação ao Cristianismo bíblico. Fundamentado nas Escrituras Sagradas, na Teologia Sistemática e nas principais obras de Allan Kardec, o estudo propõe uma abordagem crítica e missiológica, examinando como o Espiritismo interpreta temas centrais como Deus, Cristo, o Espírito Santo, a salvação, a reencarnação e a comunicação com os mortos. O trabalho busca oferecer subsídios teológicos para o diálogo e o discernimento entre ambas as tradições religiosas, ressaltando a singularidade da revelação cristã e a exclusividade de Cristo como mediador da salvação.

Palavras-chave: Cristianismo; Espiritismo; Teologia Sistemática; Allan Kardec; Missiologia.

1. Introdução

O Espiritismo, codificado por Allan Kardec no século XIX, surgiu no contexto do positivismo europeu e da busca por explicações racionais para fenômenos espirituais. Embora se apresente como uma doutrina de base moral e científica, ele mantém uma relação complexa com o Cristianismo, apropriando-se de parte de sua terminologia e ética, mas reinterpretando radicalmente seus fundamentos doutrinários.

Para a teologia cristã, especialmente em sua vertente sistemática, o discernimento entre doutrinas é essencial à preservação da fé apostólica (cf. Gl 1.6–9; 1Tm 4.1–2). Assim, o presente estudo busca compreender as principais aproximações e distanciamentos entre o Espiritismo e o Cristianismo, à luz da revelação bíblica e da tradição teológica ortodoxa.

2. Origem e fundamentos do Espiritismo

O Espiritismo teve início com as manifestações mediúnicas ocorridas em Hydesville, nos Estados Unidos, em 1848, que posteriormente influenciaram Allan Kardec (pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail). Em obras como O Livro dos Espíritos (1857), O Livro dos Médiuns (1861) e O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), Kardec sistematizou um corpo doutrinário que mistura elementos do Cristianismo, do racionalismo e da filosofia moral.

Para Kardec (1996, p. 35), “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”, e os espíritos são “as almas dos homens que sobreviveram à morte corporal”. A doutrina propõe a reencarnação como processo necessário de aperfeiçoamento moral e o contato com os mortos como meio de instrução espiritual.

3. Semelhanças com o Cristianismo

O Espiritismo compartilha com o Cristianismo alguns valores éticos e concepções morais. Ambos:

  1. Afirmam a existência de Deus como ser supremo e criador do universo (KARDEC, 1996, q.1; cf. Gn 1.1);

  2. Reconhecem a imortalidade da alma, entendendo a vida terrena como transitória (cf. Mt 10.28; 2Co 5.1);

  3. Enfatizam o amor ao próximo como princípio ético universal (cf. Mt 22.37–39). Os espíritas são muito dedicados à caridade (assistencialismo), em geral mais do que os cristãos;

  4. Valorizam o progresso moral e a prática da caridade como expressão de fé (KARDEC, 2003, p. 71; cf. Tg 2.17).

Essas aproximações, contudo, são de ordem moral e não soteriológica. Enquanto o Cristianismo vê tais virtudes como frutos da regeneração operada pelo Espírito Santo (Jo 3.3–8; Gl 5.22–23), o Espiritismo as interpreta como resultados do aperfeiçoamento progressivo do espírito através de múltiplas existências.

4. Divergências teológicas fundamentais

Apesar das semelhanças éticas, o Espiritismo diverge profundamente do Cristianismo em seus fundamentos doutrinários.

4.1. A autoridade das Escrituras

O Cristianismo reconhece a Bíblia como revelação inspirada e suficiente (2Tm 3.16–17). Kardec, contudo, relativiza a autoridade bíblica, interpretando-a à luz de comunicações mediúnicas, consideradas progressivas e superiores à revelação escrita. Tal posição contraria o princípio da sola Scriptura e introduz uma forma de revelação contínua não testada pelos critérios apostólicos (cf. 1Jo 4.1).

4.2. A pessoa e a obra de Cristo

Para o Cristianismo, Jesus Cristo é o Filho de Deus encarnado (Jo 1.14), único mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5) e Salvador pela graça mediante a fé (Ef 2.8–9).
O Espiritismo, ao contrário, vê em Jesus apenas um “espírito puro”, modelo moral e mestre da humanidade, mas não o reconhece como Deus encarnado. Com isso, elimina a dimensão redentora e vicária de sua morte, reduzindo-o a um exemplo ético.

4.3. A salvação e o destino eterno

A doutrina kardecista sustenta a reencarnação como meio de progresso moral e purificação da alma (KARDEC, 1996, q.166). A Bíblia, porém, afirma que “aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois disso o juízo” (Hb 9.27). Assim, o Cristianismo rejeita a ideia de múltiplas existências, ensinando que a redenção é um ato único e completo realizado por Cristo na cruz (Jo 19.30).

4.4. A comunicação com os mortos

A prática mediúnica é central no Espiritismo, sendo considerada um meio de instrução e consolo. Todavia, as Escrituras proíbem explicitamente qualquer tentativa de contato com os mortos (Dt 18.10–12; Is 8.19), classificando-a como abominação. A teologia cristã entende que, após a morte, a alma entra em estado consciente, mas sem possibilidade de comunicação com os vivos (Lc 16.19–31). Só é proibido aquilo que é possível. A Bíblia condena a comunicação com os espíritos, não espíritos desencarnados, mas entidades espirituais que praticam o engano (demônios – cujo significado da palavra é espírito ou gênio), se passando pelos espíritos dos mortos.

5. Perspectiva missiológica

Do ponto de vista missiológico, o diálogo com os adeptos do Espiritismo exige sensibilidade, respeito e clareza bíblica. O missionário cristão deve reconhecer o desejo sincero do espírita por respostas espirituais, mas também apontar que somente em Cristo há perdão, redenção e nova vida (Jo 14.6).

A missão cristã, nesse contexto, não é de confronto, mas de testemunho. Como afirma Bosch (1991, p. 412), a missão é “participar do movimento de Deus para a reconciliação do mundo”. Assim, o Evangelho deve ser anunciado como boa-nova libertadora, não como polêmica teológica.

6. Conclusão

Embora o Espiritismo apresente semelhanças éticas com o Cristianismo, suas divergências doutrinárias são profundas e irredutíveis. A negação da divindade de Cristo, da inspiração exclusiva das Escrituras, da suficiência de sua obra redentora e da unicidade da vida humana coloca o Espiritismo fora dos limites da fé cristã ortodoxa.

O Cristianismo bíblico, portanto, mantém sua singularidade ao proclamar que a salvação é pela graça, por meio da fé em Jesus Cristo, e que não há outro mediador entre Deus e os homens. Cabe à teologia cristã e à missão da Igreja anunciar essa verdade com amor, firmeza e discernimento espiritual.

Referências

BÍBLIA. A Bíblia Sagrada: versão Almeida Revista e Atualizada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.

BOSCH, David J. Missão transformadora: mudança de paradigmas na teologia da missão. São Leopoldo: Sinodal, 1991.

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 74. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1996.

KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 127. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003.

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 91. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2000.

LOPES, Augustus Nicodemus. A Supremacia de Cristo: a verdade bíblica em contraste com os falsos evangelhos. São Paulo: Mundo Cristão, 2014.

TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. São Leopoldo: Sinodal, 2005.

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